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HORIZONTES: LORENZATO E BRUNO FARIA/ HORIZONS: LORENZATO AND BRUNO FARIA
FROM OCT 21, 2020 TO DEC 21, 2020Homenageando os 120 anos que o artista mineiro Lorenzato completaria em 2020, a exposição online Horizontes: Lorenzato e Bruno Faria traça um diálogo entre dois artistas de gerações distintas, mas que lançam seus olhares sobre um importante gênero da história da arte: a Paisagem. A mostra traz texto da curadora e crítica de arte independente Kiki Mazzucchelli (abaixo), e é uma parceria inédita entre as galerias Marília Razuk (São Paulo) e Periscópio (Belo Horizonte).
Horizontes enuncia um território entre as duas produções, separadas por quase três décadas, e que renovam e atualizam mais uma vez esse gênero. Lorenzato (1900-1995) representava a realidade cotidiana mineira, utilizava cores essenciais e muitas vezes trabalhava a tinta com um pente de metal, comumente empregado na ornamentação de pintura de parede, técnica que herdou de seu ofício de pintor de construção civil, que exerceu até 1956. Bruno Faria (1981), por sua vez, afasta-se da linguagem tradicional da pintura para uma aproximação conceitual. Na série Lembranças de Paisagem, o artista garimpa em feiras de antiguidade flâmulas/bandeiras produzidas nas décadas de 1960 e 1970, que trazem imagens de paisagens correspondentes ao imaginário de cidades brasileiras. Vistas na época como souvenirs, cartões-postais, ganham a intervenção de Faria por meio da pintura, retirando os textos e deixando apenas a imagem da paisagem de cada cidade.
Ao colocar esses dois artistas em diálogo, a exposição traz ao espectador duas poéticas que, cada uma a sua maneira, mantém o enigma da paisagem que se apaga, mas que também resiste.
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"O projeto parte de uma relação afetiva
de Faria com a obra do pintor, com a
qual travou contato no final da década
de 2000, quando viveu em Belo Horizonte
pela primeira vez como artista
contemplado pela Bolsa Pampulha."
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Obras/ Sala 1
Works/ Room 1 -
"A metodologia empregada pelo artista na série Lembranças de paisagem
é sobretudo o gesto duchampiano de apropriação de um objeto encontrado,
visto que sua intervenção consiste apenas no apagamento das palavras
originalmente impressas nessas flâmulas, que invariavelmente incluem
o nome da cidade e, às vezes, o lema que supostamente define o espírito de seu povo."
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Obras/ Sala 2
Works/ Room 2 -
Texto / Kiki Mazzucchelli
(scroll down for English version)A exposição Horizontes, concebida por Bruno Faria, reúne trabalhos de sua série Lembranças de paisagem (2016 - em andamento) com obras do artista Amadeo Luciano Lorenzato (1900-1995), tendo como denominador comum o tradicional gênero da paisagem. O projeto parte de uma relação afetiva de Faria com a obra do pintor, com a qual travou contato no final da década de 2000, quando viveu em Belo Horizonte pela primeira vez como artista contemplado pela Bolsa Pampulha. Hoje conhecido mundialmente, Lorenzato era, naquela época, um artista circunscrito ao meio de arte local e, ainda que já tivesse a admiração de diversos artistas, curadores e galeristas mineiros, permanecia alheio ao circuito de arte contemporânea nacional; era, mais precisamente, um artist’s artist. Pouco mais de uma década mais tarde, sua obra singular ganhou notoriedade no mercado internacional junto a um rol de artistas de diversas nacionalidades que em vida eram considerados “naifs” ou “primitivos" e cuja prática vem sendo cada vez mais reavaliada e incorporada nas narrativas da historiografia da arte.
Em Horizontes, Bruno Faria estabelece um diálogo entre as paisagens estampadas nas flâmulas triangulares produzidas nas décadas de 1960 e 1970 no Brasil e vendidas como souvenirs de diversas cidades do país e as paisagens suburbanas ou naturais de Lorenzato. Há anos, Faria vem colecionando esses objetos obsoletos e cada vez mais raros, que encontra em peregrinações regulares aos tradicionais mercados de antiguidades em São Paulo e no Rio de Janeiro. A metodologia empregada pelo artista na série Lembranças de paisagem é sobretudo o gesto duchampiano de apropriação de um objeto encontrado, visto que sua intervenção consiste apenas no apagamento das palavras originalmente impressas nessas flâmulas, que invariavelmente incluem o nome da cidade e, às vezes, o lema que supostamente define o espírito de seu povo.
Mais do que isso, esses objetos pertencem a um período histórico ao qual Bruno Faria recorre em uma série de trabalhos anteriores e que está ligado à constituição de uma narrativa oficial de modernização e progresso no Brasil: Brasília (2018), em que o automóvel homônimo encontrado em um ferro-velho foi apresentado no estande de uma feira de arte; Natureza-morta com laranjas (2019), escultura que reproduz a imagem de um anúncio da abertura da fábrica de refrigerantes Crush no Brasil em 1963; e até mesmo a vasta coleção de LPs que formam a instalação Introdução à arte brasileira 1960-90 (2015), que apesar de se estender para além desse arco temporal inclui predominantemente nomes da MPB que se consolidaram nas décadas de 1960 e 1970. É possível especular que as questões relativas à identidade nacional em pauta naquele momento histórico encontram uma manifestação de ordem mais provinciana nas flâmulas das cidades, na medida em que essas também exaltam as supostas virtudes de cada localidade e promovem um sentimento de ufanismo regional.
Mas para além das possíveis relações sugeridas pelas obras da série Lembranças de paisagem como corpo de trabalho autônomo, o que podemos inferir a partir do diálogo proposto com Lorenzato? Esse diálogo é explicitado na solução expográfica concebida por Faria, em que cada uma das pinturas é apresentada em par com uma flâmula que ilustra atrações turísticas da cidade de Belo Horizonte ou do estado de Minas Gerais. Num primeiro momento, portanto, sobressai-se o aspecto mais evidente: ambos os artistas apresentam paisagens relativas a um mesmo território. É igualmente claro, porém, que a metodologia, o foco de interesse, e a própria natureza dos trabalhos de cada artista não poderiam ser mais distintas.
Lorenzato, como é sabido, foi pintor de paredes e trabalhava com reboco antes de poder se dedicar integralmente à arte. Isso lhe permitiu desenvolver uma intimidade e fluência com os materiais que acabou se traduzindo na maneira inovadora com que criava pinturas caracterizadas pelo efeito das massas de cor vibrantes obtido por meio de superfícies sulcadas com um pente. Ou seja, Lorenzato era sobretudo um artista dedicado ao ofício da pintura, tanto no que diz respeito à sua fatura quanto à composição, o cromatismo e aos problemas inerentes ao campo pictórico. Faria, por sua vez, pertence a uma linhagem da arte conceitual em que a articulação de ideias é privilegiada em detrimento do fazer manual. Seus trabalhos são construídos primariamente a partir da justaposição de materiais existentes e retirados de diferentes contextos, criando um campo semântico que se constitui por meio da re-contextualização dos significados históricos, estéticos ou sociais tipicamente associados a esses “materiais encontrados”.
Na exposição Horizontes, além dos diálogos pontuais com Lorenzato são apresentados ainda alguns conjuntos da série Lembrança de paisagem reunindo grupos de flâmulas referentes a outras cidades brasileiras como Brasília, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Ao considerarmos a exposição como um todo, não caberia portanto entender a presença de Lorenzato aqui como parte dessa metodologia de apropriação de materiais encontrados? Haveria, a despeito de todas as divergências entre as produções desses dois artistas, alguma coincidência?
Uma das características que chamou a atenção de Bruno Faria quando começou a colecionar essas flâmulas foi sua qualidade quase artesanal: longe de serem produzidas em larga escala, esses souvenirs eram confeccionados em pequenas oficinas de serigrafia e as imagens estampadas eram criadas por autores anônimos que eram responsáveis pelas decisões estéticas pertinentes a esse processo. Nesse sentido, apesar de sua visualidade moderna, são produtos de uma tecnologia pré-industrial. De maneira análoga, a obra de Lorenzato também se situa numa espécie de zona intermediária entre a tradição e a vanguarda; sendo importante ressaltar que isso de modo algum configura julgamento de valor a respeito de sua inventividade e potência. O interessante aqui é observar como essas produções se repelem e se iluminam mutuamente. Em última instância, ao apresentar lado a lado as imagens idealizadas estampadas nos objetos e as imagens interiorizadas nas pinturas, Faria coloca em choque visões díspares de um mesmo mundo.
HORIZONTES (HORIZONS): LORENZATO AND BRUNO FARIA
Text by Kiki Mazzucchelli
Bruno Faria’s exhibition Horizontes [Horizons] brings together works from his series Lembranças de paisagem [Landscape Memories](2016 – ongoing) alongside works by Amadeo Luciano Lorenzato (1900-1995), using the traditional genre of painting as its common denominator. The project draws the affective relationship between Faria and the painter’s oeuvre, which he came into contact with at the end of the 2000s, when he lived in Belo Horizonte for the first time, having been awarded the Bolsa Pampulha residency prize. Despite being a well-known artist today, Lorenzato was not known beyond local art circles at the time. He was admired by many artists, curators and gallerists from Minas Gerais, but he remained outside the national contemporary art circuit, being more akin to an artist’s artist. A decade or so later, his unique work has gained recognition in the international market as part of a genealogy of artists from different nationalities who were in life considered “naïve” or “primitive" and whose practice has been increasingly reexamined and incorporated into the narratives of art historiography.
In Horizontes, Bruno Faria establishes a dialogue between pennants featuring images from different Brazilian cities, which were produced and sold in the 1960s and 1970s, and the suburban or natural landscapes produced by Lorenzato. For years, Faria has been collecting these obsolete and increasingly rare objects, which he finds in regular trips to the traditional antique markets of São Paulo and Rio de Janeiro. The methodology employed by the artist in the series Lembranças de paisagem is above all a Duchampian gesture of appropriating a found object, given that the artist’s intervention is limited to the erasure of the words originally printed on the triangular flags, which invariably include the name of the city and, sometimes, the motto that supposedly defines the spirit of its people.
These objects belong to a historical period that is recurrent in Bruno Faria’s work, which is linked to the constitution of an official narrative of modernization and progress in Brazil. Examples include Brasília (2018), in which the eponymous car found in a scrap yard was exhibited in an art fair; Natureza-morta com laranjas [Still Life with Oranges] (2019), a sculpture that reproduces an image of the announcement of the opening of a soft drink factory called Crush in Brazil in 1963; and the vast collection of LPs that make up the installation Introdução à arte brasileira 1960-90 [Introduction to Brazilian Art 1960-90] (2015), which, despite insertions outside the specified period of time, includes mostly Brazilian Popular Music (MPB) artists whose careers were consolidated in the 1960s and 1970s. It is possible to speculate that the issues related to national identity that marked this historical moment are also manifest in a more provincial way in the city pennants, inasmuch as they exalt the supposed virtues of each locality and promote a feeling of regional patriotism.
But beyond the possible relations suggested by the works in the series Lembranças de paisagem as an autonomous body of work, what can be concluded from the dialogue proposed with Lorenzato? The dialogue becomes explicit in Faria’s exhibition design, in which each of the paintings is presented as a pair with one pennant that illustrates tourist attractions in the capital city of Belo Horizonte or in the states of Minas Gerais. As such, at first sight, the most evident aspect is highlighted: both artists are presenting landscapes that refer to the same territory. However, it is equally clear that the methodology, the main focus and the very nature of the works produced by both artists could not be more different.
Lorenzato was a decorator, painter and plasterer before he could work full time as an artist. This allowed him to develop a level of familiarity and fluency with his materials that was later translated into the innovative way he created paintings that were marked by effects produced by masses of vibrant colors, making grooves on the surface with a comb. In other words, Lorenzato was, above all, an artist dedicated to the craft of painting, both in terms of its making and composition, as well as its chromatism and issues inherent to the pictorial field. In turn, Faria belongs to a lineage of conceptual artists who favor the articulation of ideas over manual making. His works primarily draw on the juxtaposition of existing materials removed from different contexts that create a semantic field that is constituted through the re-contextualization of historical, aesthetic or social meanings typically associated with these “found materials”.
In Horizontes, as well as the direct dialogues with Lorenzato, Faria also exhibits other works from Lembrança de paisagem, that is, pennants from other Brazilian cities such as Brasília, Rio de Janeiro, Salvador and São Paulo. In that sense, when considering the exhibition as a whole, to what extent should we understand the presence of Lorenzato as part of his methodology of appropriating found materials? Despite all the differences between the two artists’ practices, could there be some coincidences?
One of the aspects that caught Bruno Faria’s attention when he started collecting the pennants was their artisanal quality: far from being reproduced on a large scale, the souvenirs were produced in small serigraphy workshops, and the printed images were created by anonymous authors who made all the aesthetic decisions related to the process. In this sense, despite their modern visuality, they are the product of a pre-industrial technology. Similarly, the work of Lorenzato also lies in a sort of intermediary zone between tradition and avant-garde (however, this is in no way a judgment of value on its inventiveness and potency). Here, it is interesting to note how their practices are both attracted and repelled by each other. Ultimately, by contrasting the idealized images printed on the objects and the images interiorized in the paintings, Faria juxtaposes distinct visions of the same world.
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