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A paisagem como um tema e como força atemporal da arte é fio que conduz a exposição UM LUGAR LUGAR NENHUM: Paisagens contemporâneas, coletiva em cartaz de 4 de Março até 5 de maio de 2021, na Galeria Marília Razuk. Com curadoria do artista Rodrigo Andrade - um dos principais nomes da pintura contemporânea brasileira -, a mostra reúne obras de Alexandre Wagner, David Almeida, Evandro César, Joaquim Pinkalsky, Link Museu, Maria Andrade e Mariana Serri, artistas de diferentes gerações e trajetórias, conectados pela linguagem pictórica.
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UM LUGAR LUGAR NENHUM: paisagens contemporâneas
POR RODRIGO ANDRADEÀs voltas com um gênero tradicional que está na origem da arte moderna, sete pintores em São Paulo enfrentam um contexto contemporâneo complexo, problemático e travado – ainda que potencialmente libertário. Paisagens imaginárias e paisagens pintadas in locu, ao ar livre, formam um conjunto heterogêneo de pinturas que, não obstante, dialogam entre si.
São paisagens extraterrestres, imaginárias, mas realizadas à mão livre, óleo sobre tela, tão concretamente quanto outra qualquer. No caso, em movimentos ritmados, bem orientados e velozes, em várias direções; sobreposições que criam espaços e volumes fluidos como a matéria de Solaris, o oceano sideral do filme de Tarkovski, que materializa os desejos inconscientes de quem dele se aproxima. Nas pinturas de Alexandre Wagner os “desejos inconscientes” estão a tomar forma e parecem se comprazer nesse estado. O desejo é o ato de dar forma, e não assumir esta ou aquela forma. Por isso todos os toques do pincel são exibidos a criar luxuriantes galáxias gestuais íntimas. E quando uma pintura como essa se deixa dominar pelo amarelo, o resultado parece um Van Gogh em Marte.
De Marte para a horta urbana do Luau dos Loucos, ali na tríplice fronteira de Cidade Tiradentes, Itaquera e Guaianazes, um pequeno oásis com um riacho cor de laranja e a horta e as árvores que lhe dão sombra. Ao redor, conjuntos da Cohab e um descampado que se deve às torres de transmissão elétrica que passam por cima da horta. Ali é o reino de Link e seus amigos poetas. E ali foram realizadas muitas pinturas desta exposição. O espaço em volta é sugestivo, parece um daqueles bosques de Courbet. Prato cheio para a pintura de observação, de volta às raízes cezannianas da pintura moderna ocidental. Cézanne, Matisse, Morandi…
Se Link Museu começou a pintar paisagens recentemente, acontece que ele já é artista das tintas há muito tempo. “Tinta, tinta, tinta, rolinho de cinco de dez e de trinta”… Com a vivência das tintas líquidas como látex e de superfícies variadas e hostis como crocodilos, ele se impõe sobre a tinta a óleo a seu modo. Mas, agora, como criar um espaço interior a partir de uma tela em branco? E se for diante do motivo, ou envolvido pelo motivo? Como sintetizar isso numa tela de 30x50? Se vira nos 30x50! Referências modernistas recém-adquiridas vão se encontrar com as pinturas da cultura popular. É como assistir aos primeiros passos de um mestre!
Outro estreante é Joaquim Pinkalsky, que vem da gravura em pedra e metal, cruza games com pintura moderna e pinta há muito tempo incognitamente, enfurnado numa linda casa/ateliê com áreas abertas para o exuberante jardim que circunda aquele feérico casarão no Brooklin, mas que poderia ser de alguma Transilvânia tropical. Nas pinturas da horta ele se revela dotado de uma força de concentração e paciência anormais, e os pixels de antes transmutam-se em unidades pictóricas autônomas que apontam para Cézanne e Seurat.
A paisagem nos envolve quando estamos ao ar livre, mas, assim como pintura, ela é "cosa mentale". A paisagem chega a nós por tantos filtros que se torna longínqua. Filtros gráficos, impessoais como diagramas. Mari Serri coloca a paisagem lá longe em termos de espessura da realidade vivida em relação ao plano pictórico, e este, sim, é próximo a nós, concreto. Áreas de cor plenas em telas-objeto, cujas laterais são extensões da superfície pictórica. Na horta, envolvida pelo motivo, suas paisagens acendem, luminosas, douradas como biombos chineses.
David Almeida cria mundos reais imaginários para poder pintá-los de memória. Vulcões, cachoeiras, rochedos… às vezes ele vai para o meio do mundo real para pintá-lo, mas o pinta como se fosse de memória. Suas paisagens parecem querer escapar de qualquer local específico e se alojar em alguma dimensão imaginária, pois não conseguimos apreendê-las com exatidão, como uma miopia que as mantém no estado primordial de mancha pictórica. Na horta as luzes e sombras locais também foram absorvidas pela lama de tinta a óleo que David organiza sobre a base de bolo armênio.
Entre um lugar específico e lugar nenhum, as paisagens de Maria Andrade parecem escolher o lugar da pintura pura. A pintura é o espaço plano no qual o mundo se organiza de modo ligeiro, fluente e sem complicações. Seguem aquela máxima do Morandi maduro: “se a pintura não se resolve em 40 minutos, eu a deixo”. E nesse caso as manchas de cor vão se ajeitando como que por magnetismo, ou se atraem ou se repelem, e desta forma configuram a pintura por suas próprias leis. Os conflitos que surgem conferem tensão ao idílio pictórico reinante, e assim esse mundo de cores e gestos se engancha no mundo real, ganhando força de tração.
Vamos imaginar um espaço em profundidade, um movimento em perspectiva rumo a um ponto de fuga que, ao tocar a superfície da tela em branco, se desviasse de seu destino ao longe e se espalhasse em tinta pelo plano. É isso o que acontece com as pinturas de Evandro Cesar. O riacho da horta corre ao longo da tela, o barranco, as árvores e o mato vão se organizando, ao mesmo tempo, como um todo de formas e cores composto em toques de pincel ora decididos, ora hesitantes, mas sempre de maneira harmoniosa. A potência e a originalidade de pinturas feitas ao ver Matisse pela primeira vez.
Tão diferentes entre si, como não poderiam deixar de ser, já que estamos falando de artistas com formações e estágios tão diferentes; no entanto, ao se agrupar, ganham uma imediata identificação. O tema clássico da paisagem os une. Gênero que já foi banido da arte contemporânea, a paisagem volta pelas beiradas, por uma força inercial surpreendente, que se explica não só pelo prazer envolvido, mas talvez também pela necessidade humana de atemporalidade.
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SALA 1/ ROOM 1
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SALA 2 / ROOM 2
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SALA 3 / ROOM 3
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Sobre o curador
Rodrigo Andrade (1962) nasceu em São e atualmente vive e trabalha na cidade. A materialidade da tinta e referências sobre a história da pintura permeiam todo seu trabalho. Sua gestualidade vibrante manifesta-se sobretudo na pintura, mas também transita por suportes como desenho, gravura e objeto. Nos anos 1980, o artista integrou o grupo Casa 7 e, sob a influência do neoexpressionismo alemão, sua obra é apresentada em grandes formatos, com pinceladas expressivas e cores fortes. Na década seguinte, alternou trabalhos figurativos e abstratos e, a partir de 1999, passou a criar obras em que espessas massas de tinta a óleo, em formas geométricas, são aplicadas sobre a tela.Realizou mostras em importantes instituições nacionais e internacionais. Entre as individuais recentes, destacam-se Estação Pinacoteca, São Paulo, SP (2017); e Pinturas: Seleção 99-06, Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte, MG (2006); entre as coletivas, estão Oito décadas de abstração informal, Museu de Arte Moderna de São Paulo, SP e Cependant, la peinture: Rodrigo Andrade, Fabio Miguez, Paulo Monteiro, Sérgio Sister, Galerie Emmanuel Hervé, Paris, França (2018); Troposphere, Beijing Minsheng Art Museum, Pequim, China (2017); 30ª Bienal, Pavilhão da Bienal, São Paulo, SP (2013); e 29ª Bienal de São Paulo, SP (2010). Sua obra integra importantes coleções públicas, como Instituto Cultural Itaú, São Paulo, SP; e Pinacoteca do Estado de São Paulo, além de outras coleções particulares.
Sobre os artistas
Alexandre Wagner (1985) – Nascido em Belo Horizonte, atualmente vive e trabalha em São Paulo. Cursou artes visuais pela UFMG com Habilitação em pintura, em 2011. Desde 2013 participou de diversas exposições coletivas, destacando-se a 11ª edição do Abre Alas, na Galeria Gentil Carioca, Rio de Janeiro, com curadoria de Lívia Flores, Michelle Sommer e Daniel Steegmann Mangrané, a coletiva Oito Artistas na Galeria Mendes Wood DM com curadoria de Lucas Arruda e Bruno Dunley, e Um desassossego, na galeria Estação. Em 2018 fez suas duas primeiras exposições individuais: Sol da Noite Galeria Bolsa de Arte, Porto Alegre e Pequenos Formatos na Baró Galeria, São Paulo.
David Almeida (1989) - Nasceu em Brasília e atualmente vive e trabalha em São Paulo. Sua pesquisa se desenvolve por meio de múltiplas linguagens como desenho, objeto, fotografia, instalações, performance e, sobretudo, a pintura. Sua produção tem como eixo principal as problemáticas do espaço e do corpo em percurso, explorando a visualidade do território íntimo, do ateliê, da cidade e da paisagem natural. No espaço pictórico, investiga os limites entre presença e ausência, através de elementos da pintura e de sua semântica narrativa.
Formado em Artes Plásticas pela Universidade de Brasília, realizou a mostra individual A task of wonders,durante a residência no Espronceda Art Center, em Barcelona, Espanha (2020). Premiado em 2013 e 2015 no 12º Salão de Arte de Jataí, em 2014 pelo 20º Salão Anapolino de Arte e em primeiro lugar no I Prêmio Vera Brant de Arte Contemporânea em 2016, participou de mostras coletivas como Segunda Naturaleza, Fernando Pradilla, Madrid, Espanha (2020); Triangular - Arte desse século, Casa Niemeyer, Brasília, DF (2019); e UNS, Library of Love, Contemporary Art Center, Cincinatti, EUA (2017).
Evandro César (1988) – Nasceu em São Paulo e vive e trabalha na cidade. Artista, poeta e produtor cultural, é fundador do coletivo Instituto Du gueto (2016), idealizador da exposição Retrato Falado, no salão do CFCCT (2017). Em 2018 se formou em iluminação cênica pela PRONATEC. Em 2018, produziu o roteiro do espetáculo PAPO DE BOTECO e da direção da FLICT (Festa Literária da Cidade Tiradentes). Em 2019, participou do Monólogo rua ZÉ NINGUÉM. Desde 2018 é membro do coletivo SLAM CT.
Joaquim Pinkalsky (1987) – Nasceu em São Paulo e cresceu num ateliê de gravura e escultura, onde teve contato com diversas mídias e técnicas, a partir de 2013 trabalhou na Graphias ateliê de gravura) onde conheceu Rodrigo Andrade, e passou a ser seu assistente em 2015, tendo um contato maior com a pintura a óleo. Sua obra apresenta influências de seus trabalhos anteriores com game design (pixel art) e da pintura moderna. Entre as coletivas e individuais que participou, destacam-se Encontros e Parcerias, Graphias Casa da gravura (2015), 7th KIWA Exhibition, Kyoto Municipal Museum of Art (2016), e Osten Biennial of drawing ,Macedonia Skopje (2016).
Link Museu (1986) – Nasceu em São Paulo e vive e trabalha na cidade. É fundador do Sarau Luau dos Loucos e responsável pela Horta Urbana Cidade Tiradentes. Artista, poeta, grafiteiro, pichador, pintor. Fundador e coordenador de atividades do Ateliê Um Bom Lugar, ateliê fundado em 2020 pelos coletivos ali:leste, Instituto du Gueto e Luau dos Loucos. Professor do projeto Mais-educa na Escola Estadual Escritor Juan Carlos Onetti. Organizador do Encontro de Grafite no Cohab Fazenda do Carmo.
Maria Andrade (1967) – Nascida em São Paulo, vive e trabalha na cidade. É artista plástica, musicista e compositora. Desde 1992 participa de mostras individuais e coletivas expondo pinturas à óleo abstratas e figurativas, além de esculturas de zinco e lata. Entre as individuais, destacam-se Cerrado, na Boiler Galeria, com texto do curador e crítico Tiago Mesquita, A diferença entre as coisas (2019), com texto de Vania Reis e 3 Marias (2018), ambas na Galeria Virgilio. Dentre as coletivas, estão Um desassossego, na Galeria Estação (2016), BR (2016) na Galeria Virgílio.
Realizou ilustrações para as revistas Capricho e Veja, elaborou e dirigiu animações para a MTV e, entre 2004 e 2005, publicou semanalmente histórias em quadrinho de seu personagem Brux no jornal Folha de São Paulo. Como coordenadora de oficinas educativas, atuou na Oficina de Esculturas em Metal no MAM (1998-2003), Oficina de Esculturas em Lata, no Sesc Ipiranga, em comunidades no interior de Minas Gerais e em oficinas de tapeçaria com artesãs na cidade de Morro da Garça (MG).
Mariana Serri (1982) - Nascida em Belo Horizonte, atualmente mora e trabalha em São Paulo. Artista plástica formada pela FAAP – Fundação Armando Alvares Penteado, em 2005. Em 2013 apresentou a exposição individual Áporo na Galeria Marília Razuk, em homenagem ao poema homônimo de Carlos Drummond de Andrade, e também à esta palavra. Em 2012 apresentou na Casa das Rosas exposição individual de pinturas realizadas para o livro de poemas Epidermias, em parceria com Ângela Castelo Branco. Em 2010, apresenta exposição individual We live on a mountain na Galeria Virgilio. Expôs em diversas exposições coletivas, dentre as quais se destacam: Além da Forma, com curadoria de Cauê Alves no Instituto Figueiredo Ferraz; Os Primeiros dez anos, no Instituto Tomie Ohtake em 2012, com aproximadamente 50 artistas contemporâneos; Paisagens à margem, no Programa de Exposições do Paço das Artes em 2011, com Lucas Arruda, Mariana Galender e Mariana Tassinari; 37ºAnual de Artes da FAAP, na qual recebeu prêmio pela obra Domingo, 2005, (vídeo, 13’31’’). De agosto de 2000 a julho de 2001 cursou o 3º ano do Ensino Médio com habilitação em Artes-Plásticas na Escola De Wijnpers, em Leuven, na Bélgica.
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UM LUGAR LUGAR NENHUM: PAISAGENS CONTEMPORÂNEAS: CURADORIA DE (CURATED BY) RODRIGO ANDRADE
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